Análises químicas de resíduos presentes em jarros ancestrais egípcios trazem novas evidências sobre a adição de ervas e resinas de plantas a vinhos produzidos na antiguidade.
Os pesquisadores do Museum Applied Science Center for Archeology, da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, analisaram os resíduos orgânicos depositados em dois jarros egípcios da antiguidade. O primeiro deles, de cerca de 3.150 a.C., foi localizado numa tumba na cidade de Abidos, no Egito, pertencente ao faraó Scorpion I (Escorpião I). O segundo, produzido entre o quarto e sexto séculos d.C., foi encontrado no sítio arqueológico de Gedel Adda e caracterizado como um recipiente para vinhos em função da forma e das inscrições presentes em suas alças.
Com base em estudos inovadores do grupo de arqueologia da Universidade da Pensilvânia sobre vinhos da antiguidade, McGovern e colaboradores investigaram a composição química dos resíduos dos jarros egípcios através das técnicas de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR), cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) e spot tests de Feigl (Quadro 1). Foi sugerida a presença de ácido tartárico (Figura 1), um marcador químico de uvas que ocorre em quantidades apreciáveis em vinhos. O emprego de técnicas espectroscópicas mais modernas como a CLAE acoplada a espectrometria de massas levou a confirmação, através de estudos de fragmentação dos íons característicos desta substância, de que os frascos em questão continham ácido tartárico e que serviram como recipientes armazenadores de vinhos na antiguidade.
Ao lado do ácido tartárico, encontrado livre e na forma de sais de cálcio, foram observados sinais de absorção na região do infravermelho, relacionados à presença de hidrocarbonetos, em torno da região de 2.900 cm-1, bem como entre 1.550 e 800 cm-1 que sugeriram a presença de outras substâncias. Associando as análises de CLAE com detecção por ultravioleta, cromatografia em fase gasosa acoplada a espectrometria de massas (CG-EM) e a técnica de microextração em fase sólida (SPME, do inglês solid phase microextraction, quadro 2) os pesquisadores suspeitaram da presença de ervas e de resinas de plantas nestes resíduos, como as de pinheiro ou terenbentina. A resina de Pinus pode ser confirmada pela identificação de derivados do diterpeno ácido abiético, um biomarcador químico dessas resinas, como o ácido desidroabiético, 7-oxo-desidroabiético e de reteno (1-metil-7-isopropilfenantreno). Vinhos resinados eram produzidos desde a antiguidade até a Idade Média e encontram-se descritos em tratados importantes como a Geoponica,uma coleção de 20 livros compilada em Constantinopla no século X. Estas preparações parecem ter sido usadas por povos distintos desde o Mediterrâneo, passando pelo continente europeu até o Oriente, e seriam fabricados principalmente para proteger contra a doença do vinho.
Estudos textuais de papiros médicos, como o papiro de Ebers (1.550 a.C., quadro 3) e outros relativos a antigas dinastias egípcias, descrevem o uso de preparados complexos como remédios prescritos como laxante, emoliente, expectorante, anti-helmíntico, analgésico, diurético ou mesmo como afrodisíaco.
Para tal eram usados diversos vegetais, como alho, cebola e melão, ao lado de ervas como o cuminho, endro e absinto, resinas de árvores como terebentina, pinheiro e mirra, sendo preparados como macerados, infusões ou decocções em mel, leite, óleo, água e bebidas alcoólicas, sendo as mais comuns o vinho e a cerveja.
Pela análise química do resíduo do jarro de vinho de Abidos, foi sugerida a presença de ervas como o coentro, a menta, a sálvia e resina do pinheiro, enquanto que no jarro localizado em Gebel Adda, as substâncias observadas sugeriram a presença de alecrim e de resina de pinheiro.
A confirmação da presença destas ervas nos vinhos resinados não depende somente de dados químicos, já que há poucas substâncias marcadoras nestas plantas que poderiam ser utilizadas para este fim, dada a semelhança na composição química destas espécies. Além disto, a transcrição dos papiros e a identificação das espécies vegetais citadas dependem da compreensão dos hieróglifos usados para identificá-las, e vários ainda estão por ser traduzidos.
Entre as ervas supostamente presentes nestes vinhos, há fortes evidências arqueoquímicas e arqueológicas quanto à presença do coentro. O coentro é reconhecido pelo seu antigo nome egípcio (š3w) nestas compilações e ocupava um lugar de destaque em prescrições médicas à época, além de ter sido encontrado em abundância na tumba do faraó Tutancamon.
A análise química dos resíduos presentes em frascos antigos abre as portas para o estudo da farmacologia ancestral. A principal matéria prima empregada pelo homem na cura de suas doenças sempre foi de origem vegetal, e muitas delas eram usadas na forma de macerados alcoólicos obtidos da fermentação de açúcares presentes em alimentos como arroz e frutas. Com a associação de técnicas espectrocópicas mais modernas e bastante sensíveis, como a ressonância ciclotrônica de íons por transformada de Fourier, será possível desvendar, em breve e com maior certeza, a presença de constituintes minoritários que levarão a identificação mais precisa da composição dos remédios usados na antiguidade.
Fonte: Claudia M. Rezende, A química desvendando o que os Faraós bebiam, Novidades na Ciência – SBQ Rio, 17 maio 2009.
Oi Gustavo!
ResponderExcluirPode me informar como coloca-se NetworkedBlogs no meu blogspot tb* a funcionar? Tentei fazer e não consigo ...
Podes ajudar-me?
Grata!
Ah!
ResponderExcluirE boa hem a matéria do post acima.
Legal.