O tema é frequentemente debatido em surdina, quase a meia-luz, com uma vontade expressa de não levantar vagas, de não perturbar a concordância ecumênica da classe científica.
Ou então, por oposição, é debatido em entoações de pura histeria, em embalos inflamados de puro alarme social, no agitar de medos ancestrais, em desvarios pouco lúcidos e perspicazes. Seguro, seguro, é o tema não ser indiferente à maioria da população por inerência, aos apaixonados pelo vinho. É que, curiosamente, e apesar do perdurável debate sobre a manipulação genética nos diversos elementos vegetais e animais, pouco se questiona sobre a manipulação genética no caso da videira, e por consequência, do vinho. Certamente que a vinha não estará imune à pressão da manipulação, naturalmente que não será motivo de exceção para o interesse comercial e industrial existente na alteração genética forçada.
Os estudos existem, a prática está sancionada pela União Europeia segundo a diretiva 68/193, e a investigação segue em velocidade de cruzeiro. A oposição é severa, liderada por distintos produtores, maioritariamente franceses e italianos, numa luta insistente pela diversidade vinícola. O tema é polêmico, e os pontos de vista antagónicos. Os correligionários da manipulação genética avançam com fundamentos que incluem a facilidade na luta contra as pragas da vinha, aliviando deste modo a necessidade de recurso a pesticidas e tratamentos sanitários agressivos para o ambiente. A manipulação genética é aplicada a um número reduzido de castas e leveduras, com as inevitáveis tentativas de registo de patentes de novas plantas e fungos. Os elevados custos inerentes à investigação da manipulação genética da vinha impedem que esse desenvolvimento seja aplicado a toda e qualquer casta que se anuncie.
Corrermos o risco de, em virtude dos elevados investimentos exigidos, a investigação se basear em menos de uma dezena de castas, as castas mais mediáticas e conhecidas do grande público. Ou seja, incorremos no perigo real da estandardização do vinho, transformando-o num mero produto industrial, sem qualquer relação direta com os elementos. Tropeçamos no risco de perder um valioso patrimônio ampelógrafo, desdenhando a diferença e a originalidade. Por outro lado, a manipulação genética poderá não limitar o seu raio de ação à integração de uma resistência superior da planta a doenças crónicas.
Poderá também funcionar como potenciador de aromas e comportamentos vegetativos e/ou gustativos não congénitos, acrescentando méritos aromáticos e gustativos inexistentes na casta original, mais uma vez, classificando o vinho como símbolo industrial padronizado. Estaremos próximos do primeiro vinho de uvas geneticamente modificadas? Provavelmente não! Neste momento, a opinião pública é maioritária na rejeição do conceito e filosofia, impossibilitando o sucesso comercial de tal aventura. Mas o futuro parece abrir portas a esta opção. Quem terá a coragem de dar o primeiro passo?
Particularmente sou favorável a tudo que possa melhorar a qualidade do vinho, claro que mantendo toda a sua origem. Porque não criar videiras mais resistentes a pragas ou então videiras que possam produzir uma quantidade maior de uvas mantendo a qualidade das originais? Fazendo uma mera comparação, quem não gosta de comer uma melancia, ou até mesmo uma uva, sem caroço?
O texto acima saiu na revista portuguesa Blue Wine.
In Vino Veritas!
Gustavo Kauffman (GK)
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