domingo, 18 de julho de 2010

Crônicas de um Enoleigo - Parte 3

E cá estamos com a terceira parte desta divertida e original crônica! Falar sobre o cotidiano de uma pessoa totalmente leiga na arte de Baco. Todos nós já passamos por momentos semelhantes e, com o crescimento do consumo do vinho no Brasil, imaginem quantas pessoas não passam por isto diariamente!

Será que Suzana finalmente vai se soltar com Beto? Será que Beto continuará dando “bolas dentro” ou cometerá algum engano? E Pedro, como está reagindo a isto tudo?

Então vamos lá!!! Finalmente chegamos a terceira parte!!

Crônicas de um Enoleigo - Parte 3

Sorriu para mim, não disse nada, porém fez um jeitinho... Inicio da madrugada paulistana e a voz macia de João ecoava no apartamento meio despercebida, conquanto emoldurasse perfeitamente aquele momento. Baco agia.

- Quando foi que ela parou de me evitar e passou a me encarar?

A mente de Alberto estava confusa. Pudera, a terceira garrafa estava para ser aberta, tendo matado as duas primeiras do Sunrise Merlot em pouco mais de uma hora. Os velhos costumes dos cervejeiros causam sérios estragos aos iniciantes dos prazeres do vinho. Goles longos e rápidos, tão comuns nos botecos e seus copos de copos americanos, não condizem com prazeres sensoriais, taças, rolhas etc. Sim, existem os gourmets cervejeiros, porém a infeliz maioria dos brasileiros senta à mesa do bar no final de tarde de quinta e sexta-feira querendo apenas anestesiar os efeitos dos dissabores diários. E logo começa... Vira,vira, vira... Vira, vira, vira... Virou!!! Se alguém já viu alguém fazer essa bobagem juvenil com vinho certamente reparou naquele nefasto galão de “Blood of bouef” ao chão do ambiente!

- Achou alguma madeira no fundo do copo?!? A corada Suzana era a última que sobrava à mesa.
- Sim, claro...
- Adoro o frescor da Merlot, mostra a suavidade da vida e esse nariz macio e frutado parece me descontrair mais e mais a cada momento... Talvez por isso a chamem da uva feminina, junto com a Carmenère, claro.
- Apenas o vinho te descontrai?

Mais um sorriso perfeito. Beto estava solto e Suzana era outra mulher. Aquela sisuda, pouco comunicativa e monossilábica jovem ficara em algum recanto do escritório. Desde a segunda taça de vinho ela se transformara em puro charme e alegria, demonstrando abstrair daquele líquido vermelho algo muito além do que a capacidade sensorial de Alberto poderia imaginar existir. E o pobre coitado se embriagava com sua beleza e conhecimentos.

- Vamos partir para o Casillero?
- Opa!
- Você escolheu bem.
- Obrigado.
- Adoro esse rótulo...
- Sério?
- Esse diabinho... Baita jogada de marketing!
- Fato!
- Don Melchor era um gênio.

Beto não fazia idéia de quem era o tal nobre, mas Suzana nem notou. Já abria as garrafas pessoalmente desde o desastre ocorrido com a primeira. A peneira tinha dado conta do recado, mas ela reclamou do gosto amargo da cortiça no primeiro gole e devolveu boa parte do vinho, algo não repetido por Alberto, surpreso pelo prazer da primeira impressão enóloga de sua vida.

- Lindo no copo... Bem mais intenso!
- Vermelho forte.
- Nossa... É uma potência mesmo! Suzana falou empolgada ao enfiar o nariz na taça depois de rodá-la, prática imitada por Alberto desde cedo.
- Impressionante.
- Beto... Caramba! Cereja, ameixa e...
- Baunilha!
- Isso mesmo, Baunilha!!!

Alberto chutou, mas chutou certo. Também pudera... Se o Sunrise Merlot o impressionara, provar o Best Buy do novo mundo entorpece qualquer iniciante. Fosse a taça correta, com o bojo necessário, talvez ele até se desligasse do colo de Suzana e ficasse uns bons minutos de olhos fechados, deixando os séculos de experiência da Concha y Toro tomar de vez sua alma.

Sua reflexão foi interrompida por um berro:

- E aí galera!!!!

Pedro partira para a cachaça logo após o incidente da rolha. E os demais embalaram e decidiram dar uma fumada em uns cigarros de cravo na sacada do apartamento, prática resultante em outra menos lícita e explicitada a partir do odor agora presente no ambiente.

- Opa!

Apenas Alberto respondeu. E se assustou com a voracidade trôpega de Pedro ao se aproximar de Suzana murmurando algo. Se não fosse o vinho ter deslocado tanto seus sentidos para o olfato e o paladar, poderia ter afirmado com certeza que uma mão masculina atravessou os limites dos pudores públicos. Então Suzana assumiu uma feição rude e se levantou indo em direção ao banheiro. Pedro, então, voltou à atenção para a mesa.

- Graaande Beto! Deixa eu provar esse vinho...

Quando Suzana se virou a cena era de um Alberto olhando Pedro com a garrafa do Casillero na boca, vertendo no gargalo. O bêbado ainda teve tempo de perceber a mudança de direção dos cabelos loiros na altura da omoplata, agora seguindo na direção da saída do apartamento. Sentou-se e procurou por Alberto. Nada. Berrou:

- Pessoal! Sobrou vinho...

(...continua...)

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