quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Existe Vinho Doce que não dê dor de cabeça? Sim e são deliciosos! Vamos entender um pouco mais?




Passei por uma situação curiosa em um casamento de uma amiga. O casamento foi daqueles inesquecíveis, aonde absolutamente todos os detalhes foram tratados com o máximo cuidado e bom gosto. Além da cerveja, whisky e open bar, inicialmente foi servido um delicioso Proseco. Para acompanhar o jantar serviram um belo vinho chileno. Como não conhecíamos muitas pessoas além dos noivos, sentamos em uma mesa com o outras pessoas. Quando o garçom veio servir o vinho tinto escuto a seguinte pergunta: “-Moço, este é o seco ou o docinho?”! É claro que me deu vontade de rir, mas, para a maior parte das pessoas em nosso país, esta ainda é a realidade quando o assunto é vinho. Os conhecidos são os vinhos de uvas americanas que, quando se apresentam doces, este doce é obtido através da adição de açúcar. São vinhos simples que, também em sua grande maioria, não trazem grande preocupação em seu processo produtivo e acabam sendo até danosos a saúde.

A boa notícia é que existem sim vinhos “docinhos” que são fabricados naturalmente e, acreditem, são deliciosos e muito, mas MUITO melhores do que estamos acostumados a encontrar.

Antes de seguirmos com a explicação, vale lembrar resumidamente como que o vinho é produzido! A uva é colhida madura e dela é feita um suco. Como a uva é doce, este suco possui um alto teor de açúcar. Na sequência este suco passa por um processo de fermentação. Para quem não sabe, a fermentação é um processo de transformação de uma substância em outra, produzida a partir de microorganismos, tais como fungos, bactérias, ou até o próprio corpo, chamados nestes casos de fermentos. A Fermentação alcoólica é um processo biológico no qual açúcares como a glicosefrutose e sacarose são convertidos em energia celularcom produção de etanol e dióxido de carbono como resíduos metabólicos. Ou seja, o açúcar vira álcool e é por isto que a grande maioria dos vinhos é seco!

Existem várias maneiras dos produtores fazerem vinhos doces, porém, os melhores são aqueles em que o açúcar provém da própria uva, diferente do que estamos acostumados aqui no Brasil. Seja porque são feitos de uvas ultra-maduras (colheita tardia ou “late harvest” no Novo Mundo), secas (os recioto na Itália e o vin de paille na França), congeladas na videira (eiswein na Alemanha e Áustria e o ice wine no Canadá) e os maravilhosos néctares obtidos da podridão nobre (“good botrytis” em inglês, “pourriture noble” em francês, “edeliäule” em alemão e “muffa” em italiano), em que as uvas maduras de algumas regiões (Sauternes, Montbazillac, Loire e Alsácia na França; Tokaji na Hungria; Alemanha; Áustria e Itália) são atacadas por um fungo – Botrytis Cinerea, sob condições climáticas adequadas (manhãs com névoas e tardes secas e quentes).

Os vinhos fortificados – Porto e Madeira portugueses, o Málaga espanhol e o Marsala italiano, nos quais se adiciona álcool antes de se completar a fermentação, paralisando-a, possibilita a presença de quantidades significativas de açúcar não fermentado, mostrando-se doces e fortes. Na França, essa mesma técnica (adição de álcool) é utilizada para se fazer o “vin doux naturels”, como o Moscat de Beaumes–de–Venise (o mais interessante), Muscat de Riversaltes, Maury e o Banyuls (famoso por se dizer que é o melhor que se “casa” com chocolate). No Xerez e o Montilla doces, a adição de álcool se dá após a fermentação completa, sendo adocicado pela adição de um concentrado de xarope de uva.

O que são vinhos botritizados? Ricos, suculentos, luxuriantes, voluptuosos, doces, viscosos, surpreendentemente refrescantes, longevos são alguns dos predicados que normalmente se utilizam quando se degusta um Sauternes (nem todos são atacados pela Botrytis), um Beerenauslese e Trockenbeerenauslese alemães e austríacos, um Tokaji húngaro e um Sélection de Grains Nobles alsaciano, dentre os maiores. Alguns vinhos do Novo Mundo são botritizados de uma maneira “artificial”, pulverizando as uvas colhidas com esporos de Botrytis em um local, em que se tenta simular as condições ideais do processo da botritização. A botritização natural se dá de modo que as uvas maduras nas parreiras se mostram secas, com alto teor de açúcar e complexidade, obtendo vinhos doces com uma untuosidade ímpar e perfeita acidez para contrapor a maciez (álcool e doçura).

O que são vinhos “Late Harvest”, ou de colheita tardia? Como o próprio nome diz, o produtor, não podendo contar com a Botrytis, retarda propositalmente a colheita, até que as uvas se mostrem muito maduras, portanto, com alta concentração de açúcares. É a maneira mais utilizada pelo Novo Mundo para produzir vinhos doces. Muitos Sauternes baratos, que não são atacados pela Botrytis, são feitos dessa forma, assim como o Jurançon e muitos outros brancos doces do sudoeste da França (Montbazillac usuais ou de anos não excepcionais, etc).

Em algumas regiões do mundo (Alemanha, Áustria e Canadá), propositalmente, deixam-se as uvas congelarem nos cachos e, colhidas na época certa, são prensadas antes do degelo (colhidas na madrugada, antes de o sol aparecer). O resultado é um caldo doce, com muito boa acidez e teor alcóolico baixo. A água permanece na prensa, sob forma de cristais. Esses vinhos, obtidos por congelação natural devido ao clima da região, assim como os botritizados, são raros e caros.

Após a colheita das uvas, uma outra maneira de se fazer vinho doce é deliberadamente espalhá-las em tabuleiros, telinhas ou pendurá-las para secar. Esse é um outro método, em que se concentra doçura nas uvas, pela perda da umidade (água), por evaporação, fazendo-as ficarem secas. O nordeste da Itália, Áustria e França (vin de paille), são os locais em que esse processo, na produção de vinhos doces, pode ocorrer.

Interessante, não? Aqui no Enoleigos você pode conferir alguns destes vinhos.

In Vino Veritas!

Gustavo Kauffman (GK)
           

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