Passei
por uma situação curiosa em um casamento de uma amiga. O casamento foi daqueles
inesquecíveis, aonde absolutamente todos os detalhes foram tratados com o
máximo cuidado e bom gosto. Além da cerveja, whisky e open bar, inicialmente
foi servido um delicioso Proseco. Para acompanhar o jantar serviram um belo
vinho chileno. Como não conhecíamos muitas pessoas além dos noivos, sentamos em
uma mesa com o outras pessoas. Quando o garçom veio servir o vinho tinto escuto
a seguinte pergunta: “-Moço, este é o seco ou o docinho?”! É claro que me deu
vontade de rir, mas, para a maior parte das pessoas em nosso país, esta ainda é
a realidade quando o assunto é vinho. Os conhecidos são os vinhos de uvas
americanas que, quando se apresentam doces, este doce é obtido através da
adição de açúcar. São vinhos simples que, também em sua grande maioria, não trazem
grande preocupação em seu processo produtivo e acabam sendo até danosos a
saúde.
A
boa notícia é que existem sim vinhos “docinhos” que são fabricados naturalmente
e, acreditem, são deliciosos e muito, mas MUITO melhores do que estamos
acostumados a encontrar.
Antes
de seguirmos com a explicação, vale lembrar resumidamente como que o vinho é
produzido! A uva é colhida madura e dela é feita um suco. Como a uva é doce,
este suco possui um alto teor de açúcar. Na sequência este suco passa por um
processo de fermentação. Para quem não sabe, a fermentação é um processo de
transformação de uma substância em outra, produzida a partir de microorganismos, tais como fungos,
bactérias, ou até o próprio corpo, chamados nestes casos de fermentos. A Fermentação
alcoólica é um processo
biológico no qual açúcares como a glicose, frutose e sacarose são
convertidos em energia celularcom produção de etanol e dióxido de carbono como resíduos metabólicos. Ou seja, o
açúcar vira álcool e é por isto que a grande maioria dos vinhos é seco!
Existem
várias maneiras dos produtores fazerem vinhos doces, porém, os melhores são
aqueles em que o açúcar provém da própria uva, diferente do que estamos
acostumados aqui no Brasil. Seja porque são feitos de uvas ultra-maduras (colheita
tardia ou “late harvest” no Novo Mundo), secas (os recioto na Itália e o vin de
paille na França), congeladas na videira (eiswein na Alemanha e Áustria e o ice
wine no Canadá) e os maravilhosos néctares obtidos da podridão nobre (“good
botrytis” em inglês, “pourriture noble” em francês, “edeliäule” em alemão e
“muffa” em italiano), em que as uvas maduras de algumas regiões (Sauternes,
Montbazillac, Loire e Alsácia na França; Tokaji na Hungria; Alemanha; Áustria e
Itália) são atacadas por um fungo – Botrytis Cinerea, sob condições climáticas
adequadas (manhãs com névoas e tardes secas e quentes).
Os
vinhos fortificados – Porto e Madeira portugueses, o Málaga espanhol e o
Marsala italiano, nos quais se adiciona álcool antes de se completar a
fermentação, paralisando-a, possibilita a presença de quantidades
significativas de açúcar não fermentado, mostrando-se doces e fortes. Na
França, essa mesma técnica (adição de álcool) é utilizada para se fazer o “vin
doux naturels”, como o Moscat de Beaumes–de–Venise (o mais interessante),
Muscat de Riversaltes, Maury e o Banyuls (famoso por se dizer que é o melhor
que se “casa” com chocolate). No Xerez e o Montilla doces, a adição de álcool
se dá após a fermentação completa, sendo adocicado pela adição de um concentrado
de xarope de uva.
O
que são vinhos botritizados? Ricos, suculentos, luxuriantes, voluptuosos,
doces, viscosos, surpreendentemente refrescantes, longevos são alguns dos
predicados que normalmente se utilizam quando se degusta um Sauternes (nem
todos são atacados pela Botrytis), um Beerenauslese e Trockenbeerenauslese
alemães e austríacos, um Tokaji húngaro e um Sélection de Grains Nobles
alsaciano, dentre os maiores. Alguns vinhos do Novo Mundo são botritizados de
uma maneira “artificial”, pulverizando as uvas colhidas com esporos de Botrytis
em um local, em que se tenta simular as condições ideais do processo da
botritização. A botritização natural se dá de modo que as uvas maduras nas
parreiras se mostram secas, com alto teor de açúcar e complexidade, obtendo
vinhos doces com uma untuosidade ímpar e perfeita acidez para contrapor a
maciez (álcool e doçura).
O
que são vinhos “Late Harvest”, ou de colheita tardia? Como o próprio nome diz,
o produtor, não podendo contar com a Botrytis, retarda propositalmente a
colheita, até que as uvas se mostrem muito maduras, portanto, com alta
concentração de açúcares. É a maneira mais utilizada pelo Novo Mundo para
produzir vinhos doces. Muitos Sauternes baratos, que não são atacados pela
Botrytis, são feitos dessa forma, assim como o Jurançon e muitos outros brancos
doces do sudoeste da França (Montbazillac usuais ou de anos não excepcionais,
etc).
Em
algumas regiões do mundo (Alemanha, Áustria e Canadá), propositalmente,
deixam-se as uvas congelarem nos cachos e, colhidas na época certa, são
prensadas antes do degelo (colhidas na madrugada, antes de o sol aparecer). O
resultado é um caldo doce, com muito boa acidez e teor alcóolico baixo. A água
permanece na prensa, sob forma de cristais. Esses vinhos, obtidos por congelação
natural devido ao clima da região, assim como os botritizados, são raros e
caros.
Após
a colheita das uvas, uma outra maneira de se fazer vinho doce é deliberadamente
espalhá-las em tabuleiros, telinhas ou pendurá-las para secar. Esse é um outro
método, em que se concentra doçura nas uvas, pela perda da umidade (água), por
evaporação, fazendo-as ficarem secas. O nordeste da Itália, Áustria e França
(vin de paille), são os locais em que esse processo, na produção de vinhos doces,
pode ocorrer.
Interessante,
não? Aqui no Enoleigos você pode conferir alguns destes vinhos.
In
Vino Veritas!
Gustavo
Kauffman (GK)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário é muito bem vindo!!!