domingo, 8 de agosto de 2010

Crônicas de um Enoleigo - Parte 6

Antes de tudo uma advertência: não fui eu (AK) quem escreveu as introduções dos últimos posts contendo das crônicas! Tatau (GK) resolveu fazê-lo como se cada capítulo de um livro precisasse de um prelúdio. Apesar de eu ter lido uma obra com algo assim recentemente, prefiro ir direto ao ponto, dando continuidade ao capítulo anterior. É o que ocorrerá doravante.

Outra informação importante é que decidi não enfadar vocês com apenas um enoleigo. Como somos a maioria dos brasileiros, evitarei me afeiçoar por apenas um personagem, suas limitações e peculiaridades. Vejam o caso do Alberto. Ficamos presos ao universo masculino, de classe média, jovem etc. Optei por juntar uma vida em outra e, após, seguir com a diversão ou (quem sabe?) algum drama, sempre no mote do enoleigo. Espero que gostem.

Quem sabe um dia todos os enoleigos que se cruzaram por aqui não se reencontrarão?

In vino veritas!

(AK)


Crônicas de um Enoleigo - Parte 6

Como foi que o cara ensinou fazer isso mesmo? – Caramba... Pluft!

O sono leve, quase um estalar de dedos cobertos por cortiça, postou o sorriso no rosto de Alberto. Tinha ido bem no corte da cápsula. A tampa saíra perfeita, tinha séria pretensão de guardá-la. Depois simulou umas três vezes o encaixe do saca-rolha na garrafa até tomar coragem e abri-la. Estranhou um pouco os dois níveis, mas o som final o deixará confiante para o dia seguinte. Jamais transpareceria para Suzana sua leiguice. Tinha dado certo até aqui e, agora, faltava pouco.

Com a garrafa aberta se apercebeu de um pequeno detalhe: taças! Tinha copo de cerveja aos borbotões, alguns de cachaça e poucos de destilado, porém nem uma taça de vinho... Sentindo-se um perfeito idiota descartou a idéia de voltar para a rua quando viu o trânsito intenso de São Paulo ecoar em buzinas na sala de seu apartamento. Teve uma idéia: o vizinho! Era um senhor solteirão de cinqüenta e poucos anos, moravam no mesmo prédio desde o final da década de 90, sujeito bacana que certamente teria umas taças...

- Olá seu Carlos, boa noite.
- Beto? Tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
- Não... Quer dizer... Sim! Preciso de uma taça de vinho, você tem?
- Tenho... Mas, qual o motivo de tamanha pressa? A garrafa está vinagrando?
- Como, hum, não! Está aberta e...
- Ah! Já sei... Dia de abate e faltaram os apetrechos...

Aquele senhor saiu andando para dentro do apartamento soltando um sorriso maroto.

- Como? Não... Alberto até tentou se explicar, mas as taças estavam sobre sua mão em segundos.
- Para o amor, taças de tinto, cor da paixão... eh eh eh
- É... Bem... Obrigado!
- Manda ver garoto! Não deixe ela esperando...

Alberto não deixou. Pela primeira vez sozinho visualizou, cheiro, provou aquela bebida divina. Sem ninguém o perturbando, sentido uma extrema paz, como se os cinco sentidos se voltassem para a degustação. Nem a televisão ele ligou, apenas uma jazz ao fundo, bem baixo Getz servia de moldura para aquele quadro.

O problema foi o ritmo, pois entorpecido pela garrafa vertida na goela em menos de meia hora adormeceu no sofá, onde o sol das dez o fez pular para o chuveiro na manhã seguinte.

Era o grande dia!

Tocou a campainha do apartamento de Suzana quinze minutos antes do meio dia. Ficava em Pinheiros, relativamente próximo ao restaurante. Em dez minutos chegariam. E em uma hora se faz muita coisa!

- Olá rapaz...
- Oi.

Quando ele ainda apreciava o vestido floral, de alças finas, que deixavam o colo de Suzana exposto, foi arrebatado por um beijo cheio de... Madeira! Sem saber se estava inebriado pela ágil língua de Suzana ou pelo potente vinho que ela devia estar a apreciar, Alberto se viu jogado no sofá, arrebatado. Num salto sorridente, a sagaz donzela pulou para o que parecia ser a janela de uma cozinha americana. E perguntou:

- Quer provar? É um Santa Carolina, Reserva de Família, Carmenére.
- Claro...
- O que tem aí?
- É...
- Hum... Que beleza! Grand Cru! E pensar que nós o chamávamos de “Senhor Pão de Açúcar”.
- Como?
- Seus primeiros vinhos. Você comprou lá, certo?
- Sim, mas...
- Mas o que, Beto? Acha que eu caí no seu papinho?
- Que papinho?
- Não conhece esse CS não...

E enquanto Suzana ignorava a garrafa e servia a taça de Alberto, ele começava a descobrir a capacidade de se extrair e, mais das vezes, expressar, a verdade através do vinho. Mas teve pouco tempo para raciocinar, pois logo depois de provar o vinho Suzana o atacou novamente, com ainda mais volúpia.

- Sua boca com vinho é ainda mais gostosa...

Enquanto pensava ser era a hora de liberar suas mãos, refletiu a grave inversão ali vivida. Ela me serve de vinho, me ataca assim que chego na casa dela, usa frases excitante... Que maravilha!

- Teste!

Suzana já com um seio amostra pela alça caída do vestido soltou Alberto e começou a perguntar.

- O que você sentiu no vinho?
- Sua boca...
- Não espertalhão, vamos... Teste de sentidos sob pressão. Responde!
- Baunilha...
- Nossa, que mais?
- Pimenta e, na boca notei madeira também.
- Menino, assim você me excita demais! Ela fica um tempão em barrica... Toma mais.

Ele finalmente pode perceber a beleza de taça que ela tinha em casa, bem mais elegante que a de seu vizinho. Rodou um pouco o vinho, inalou, bebeu, sendo observado por ela, deitada com a cabeça no braço do sofá, de pernas cruzadas. Belas pernas...

- E aí?
- Ele demora na boca.
- A palavra é persistência.
- Isso eu preciso para ter o que quero...

Quando finalmente ele tomou coragem e atacou Suzana, ela se levantou.

- Nada disso, temos um almoço nos esperando.
- Ei...
- Acaba de degustar essa delícia e vamos logo, teremos todo o sábado...

Lembrando do Sater (“Ando devagar, porque já tive pressa...”), ele seguiu bebericando... Maravilhado com a garrafa pesada que finalmente conseguiu segurar. Parecia outro tipo de produto, se comparado aos que tomara nessa semana de descobertas enólogas. Aliás, Suzana também era diferente de todas as mulheres com quem saíra. Essa segurança e comando todo deixavam uma sensação de que a qualquer momento ela sumiria. Como a garrafa que, de súbito, chegava ao fim.

- Vamos de táxi?
- Estou de carro.
- E bebeu, Senhor Pão de Açúcar...
- Certo...

Seguiram para o restaurante... Enroscando o sabor do vinho em um beijo tórrido no elevador, deixando o pobre Ímpetu, na mesa da sala, com ciúme do belo Santa Carolina...

(...continua...)

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