Por duas décadas, pesquisadores americanos acompanharam 1800 pessoas com idade entre 55 e 65 anos para investigar a relação ente o consumo de álcool e a expectativa de vida. O resultado é surpreendente: a taxa de mortalidade se mostrou maior entre os abstêmios.
Taxa de mortalidade: O mais longo estudo já feito sobre o consumo de álcool produz a estatística de que os bebedores vivem mais do que os abstêmios. Isso não é sinal verde da medicina para encher a cara. É um enigma que vai merecer ainda muita pesquisa.
Um ponto ainda sem consenso na literatura médica é a persistência de pesquisas cuja conclusão é que o álcool ajuda a prolongar a vida. Como isso pode ser verdade, se os efeitos devastadores do álcool no organismo humano são cientificamente comprovados? Essa controvérsia acaba de alcançar um novo patamar com a publicação do mais longo estudo já realizado sobre o assunto. Sua conclusão: a expectativa de vida dos abstêmicos, aqueles que não compõem uma gota de álcool na boca, é menor até que a dos bêbados contumazes. Já quem não se priva de um copo de vinho no almoço ou de uísque no fim da tarde - ou seja, bebe com moderação - vive por mais tempo. E, talvez se deva acrescentar, com maior prazer.
A pesquisa, que durante duas décadas acompanhou um grupo selecionado de americanos,. não é excepcional apenas pela duração, mais longa que a de qualquer estudo anterior. Os resultados são reforçados pela metodologia adotada pelos seis pesquisadores das universidades do Texas e Stanford responsáveis pelo trabalho. Eles procuraram eliminar todas as variantes imagináveis que poderiam explicar os óbitos. Disse a VEJA o psiquiatra Rudolf Moos, da Universidade Stanford, coautor da pesquisa: "Em outros grupos estudados, não ficava claro se os participantes tinham sua expectativa de vida reduzida pela bebida. Havia indícios de que as causas de morte eram doenças crônicas, como diabetes e pressão alta, e questões psicológicas, como divórcio e dificuldades financeiras. Ao excluirmos esses fatores para chegar a um resultado, conseguimos comprovar que o álcool interfere diretamente na longevidade".
O grupo estudado reuniu 1824 homens e mulheres com idade inicial entre 55 e 65 anos. A taxa de mortalidade durante esses vinte anos de acompanhamento mostra, de forma difícil de contestar, que, de fato, quando excluídos fatores externos e consumido com parcimônia, o álcool é benéfico à saúde e aumenta a expectativa de vida. De cada grupo de 100 abstêmios, morreram 69. De cada grupo de beberrões, foram sessenta. Entre os bebedores moderados, o número de mortos foi expressivamente mais baixo: apenas 41. Um bebedor moderado, na definição dos pesquisadores, é quem consome de 14 a 42 gramas diários de bebidas alcoólicas. Essa é a quantidade encontrada,em uma a quatro taças de vinho, uma ou duas latas e meia de cerveja ou uma a duas doses de destilados. "O ingrediente em comum entre todas as bebidas alcoólicas, com exceção do vinho, é o álcool", diz Moos. "Logo, quando excluímos a possibilidade de morte causada por fatores externos, sabemos que o consumo correto de álcool do motivo pelo qual os bebedores moderados vivem mais."
Os efeitos do álcool no organismo são bem conhecidos no que diz respeito aos estragos causados pelo excesso. Mas ninguém sabe exatamente como o consumo moderado ajuda a prolongar a vida. Os especialistas sabem que o álcool tem a capacidade de proteger o coração de uma série de doenças. Ele é capaz de afinar o sangue e de romper placas de gordura já formadas, que podem obstruir a passagem pelas artérias. "Sabemos apenas que o álcool na dose certa faz bem, mas não temos ideia de quais são os componentes que agem de forma benéfica no organismo", disse a VEJA o cardiologista Robert Kloner, professor da Universidade do Sul da Califórnia e autor de uma tese que copila os principais estudos sobre a ação do álcool no coração.
O vinho é a única certeza. A estrela de sua boa performance no organismo é um antibiótico natural chamado resveratrol, produzido pela videira para proteger os cachos de uva contra fungos e a umidade. Em experiências com a molécula de resveratrol isolada, os efeitos benéficos vão ainda mais longe. Ele inibe o desenvolvimento de tumores, protege os neurônios. é um forte antioxidante, ajuda a combater vírus e é um potente anti-inflamatório. Um estudo mostrou que o resveratrol aumentou a longevidade de leveduras, vermes e moscas em 70%. Encontrado principalmente na casca e se mentes da uva, o resveratrol está presente em maior quantidade nos vinhos tintos e quase não aparece nos brancos e espumantes, feitos apenas com a polpa da fruta. De certa forma, isso complica ainda mais o entendimento, visto que o principal agente benéfico do vinho não é no fim das contas, o álcool.
"E perturbador pensar que o álcool faz bem", diz o psiquiatra Carlos Salgado, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas. Distinguir benefícios e malefícios do álcool não é tarefa fácil. A linha que separa o consumo moderado do vício é tênue. "Cada pessoa reage à bebida de uma maneira". diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeiras, da Universidade Federal de São Pualo. "O gênero, a genética, a idade, além de outras variáveis biológicas, interferem na forma como o álcool é metabolizado pelo organismo". explica. Nas mulheres, os efeitos são potencializados. Por uma determinação genética, o organismo feminino secreta menos enzimas capazes de metabolizar o álcool do que o masculino. Isso faz com que ele seja absorvido com mais rapidez e de forma mais concentrada. Devido a menor quantidade de água na composição corporal, os mais velhos também são mais suscetíveis à bebida. A situação agrava se quando há histórico de abuso de álcool na família. Os cientistas acreditam que o alcoolismo é de 5092 a 60% determinado pela genética.
A conta dos benefícios do álcool é complexa. Mesmo um bebedor moderado pode por sua vida em risco se insistir em dirigir depois de duas doses de uísque. O álcool é a principal causa de 609; dos acidentes de transito e 709; das mortes violentas no Brasil. "A única forma de dosar a quantidade de bebida é o bom-senso", diz o psiquiatra Arthur Guerra, do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool. "Não acredito nos efeitos benéficos se a pessoa ingerir sua dose diária de bebida alcoólica sozinha, em casa. Os bons frutos só podem ser colhidos se a bebida estiver inserida num contexto de sociabilização e prazer."
O álcool é uma substancia com peculiar relacionamento com a felicidade. Bebe-se para celebrar. A bebida é também um bom lubrificante social. Deixa a pessoa mais desinibida e à vontade para aumentar seu círculo de amizade. Vários estudiosos estão convencidos de que a longevidade proporcionada pela bebida depende mais do estilo de vida do que de efeitos benéficos do álcool nos órgãos internos. O cirurgião vascular Marcelo Cury, paulistano de 33 anos, acredita que o álcool traz beneficio duplo, para o organismo e para a mente. Apreciador do vinho, ele o trocou pela cerveja quando foi cursar pós graduação nos Estados Unidos. Hoje, trava uma espécie de campanha contra a ideia de que a cerveja é bebida de sedentários e que cria barriga. "Como médico, sei que tem os mesmos efeitos benéficos para a saúde que o vinho", garante. O mais importante para ele é a oportunidade de integrar pessoas em torno de uma garrafa. "Tomar uma cerveja com os amigos é um momento de prazer e relaxamento", diz.
Uma pesquisa recente, publicada no jornal Addiction, entrevistou mais de 38000 pessoas na Noruega sobre seus hábitos etílicos nas duas semanas anteriores. Sem surpresa, foi constatada uma relação direta entre o abuso do álcool e a depressão. Menos previsível foi a descoberta de que, ainda que a bebida possa levar à depressão, a falta dela não torna ninguém mais feliz. Na verdade, ocorre exatamente o contrário. De modo similar a pesquisa americana que revelou que os abstêmios são os primeiros a morrer, os noruegueses descobriram que as pessoas que nunca beberam tem maior risco não apenas de sofrer de depressão, mas também de distúrbios da ansiedade, se comparadas Aquelas que consomem álcool com regularidade.
Uma das razões apontadas pelos pesquisadores é que a maioria dos abstêmios entrevistados sofria de alguma doença cronica, como osteoporose e pessoas com doenças cronicas são mais sujeitas à melancolia. Outros eram alcoólatras que lutavam para evitar uma recaída. Uma última explicação é que os abstêmios podem ter maior dificuldade de consolidar amizades que aqueles que bebem. Talvez a explicação para isso seja simples: é bem mais fácil revelar sonhos e preocupações a um amigo depois de duas ou três doses de uísque.
0 efeito não é o mesmo para todos
Vários fatores influenciam na maneira como o álcool é absorvido e processado no organismo.
Gênero
Devido a um índice mais alto de gordura corporal, o volume de sangue na mulher é menor. Isso faz com que o álcool seja absorvido com mais rapidez e de forma mais concentrada. As doenças decorrentes do alcoolismo matam duas mulheres para cada homem.
Etnia
Algumas populações, especialmente as asiáticas e indígenas, possuem pequenas quantidades da enzima álcool desidrogenase, responsável pela quebra das moléculas de álcool. Por isso, indivíduos dessas etnias podem ficar bêbados com quantidade relativamente pequena de álcool.
Genética
O hitórico de abuso de álcool na família aumenta em quatro vezes o risco de uma pessoa se tomar dependente. Os cientistas estimam que a predisposição genética para o alcoolismo seja de 50% a 60%.
Os malefícios do excesso de álcool...
CÉREBRO
Estudos com bebedores abusivos mostram atrofia em várias áreas e redução no fluxo sanguíneo para o cérebro, o que contribui para a demência. A degeneração do cerebelo provoca tremores, perda da coordenação motora e de memória. Os efeitos tóxicos do álcool podem afetar as funções cognitivas.
ESTÔMAGO
O álcool irrita a mucosa, provocando o aumento da secreção de suco gástrico. Com o tempo, formam-se feridas, que, inflamadas, causam gastrite.
FÍGADO
O esforço para metabolizar o álcool sobrecarrega o fígado. A decomposição dos ácidos graxos se toma mais vagarosa e propicia o acúmulo de gordura no órgão. Essa é uma das principais causas da inflamação do fígado, condição que desencadeia a cirrose.
...e os benefícios de beber com parcimônia
CORAÇÃO
O álcool aumenta o nível de colesterol bom e previne a formação de placas de gordura, que podem obstruir as artérias.
PÂNCREAS
Pesquisas sugerem que o álcool melhora a ação da insulina, substância responsável pela metabolização do açúcar.
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