Ed Motta
Músico e Enófilo
No boom do interesse por vinhos nesses últimos anos no Brasil, a maioria dos consumidores tem condescendência com muita bobagem do Chile ou Argentina, e pouca paciência em experimentar e procurar vinhos locais. O diretor Jonathan Nossiter, do documentário Mondovino, havia me alertado para a qualidade dos vinhos brasileiros num almoço da chef Roberta Sudbrack, onde ele assina a carta de vinhos. Outros incentivadores foram meus amigos que desenvolvem o site Notas de Degustação, que mostraram o vinho Minimus Anima, da vinícola Tormentas. Minha curiosidade pelos vinhos brasileiros, então, se multiplicou depois de conhecer um produto com tanta personalidade feito no Brasil. Na ocasião em que Marcos Mikulis, do Hotel Emiliano, organizou comigo uma degustação de vinhos nacionais sugeridos por Nossiter e o Notas de Degustação, convidei o mestre jedi Manoel Beato, que incluiu os vinhos da Villa Francioni, de Santa Catarina. A produção desses vinhos é minúscula e a maioria é orgânica, sem aditivos, raridades éticas. Vou dividir os comentários por produtores, e não na ordem em que degustamos.
Fiquei muito impressionado com todos os vinhos que degustamos e me tornei um admirador desses pequenos produtores brasileiros. Um vinho, porém, me emocionou além da conta: o branco de produção de apenas 1.000 garrafas da Cave Ouvidor, desenvolvido pelo enólogo Alvaro Escher em Garopaba, Santa Catarina. A uva é a Peverella ou Malvasia di Vicenza, introduzida no Brasil em 1930. Um vinho na linguagem dos brancos naturais, biodinâmicos do Loire comentados em meu primeiro artigo na Veja On-line, sem adição de sulfite. Quando vi a coloração alaranjada na linha Coulee Du Serrant, já fiquei empolgado, mas o nariz e boca desse vinho são muito complexos, um elixir de nozes e frutas tropicais, sem dúvida o melhor vinho brasileiro que bebi. É vinho branco que pode ser decantado: durante toda a degustação esse vinho foi ficando cada vez mais importante, notas de mel, ultraincrível. Eles produzem 800 garrafas de um tinto interessante, mas esse branco é um divisor de águas na minha visão sobre vinhos brasileiros. Além disso, a filosofia de vida dos irmãos Álvaro e Vitor Escher, vivendo num lugar mágico, sem luz elétrica, transparece nesse vinho inesquecível.
Da vinícola Vallontano - de propriedade do enólogo Luis Henrique Zanini no Vale Dos Vinhedos, em Bento Gonçalves -, degustamos quatro vinhos. Um espumante de método charmat, o Brut Vallontano, com grande frescor, me remeteu aos vinhos espumantes de Vouvray, no Loire, França: muita pêra, maçã verde. Além dele, um merlot 2004 muito interessante e um cabernet sauvignon ainda não lançado no mercado, com os elementos característicos da casta, pimentão verde, couro. Mas meu favorito foi o tannat 2004, um cafezal impressionante no nariz, taninos finos na boca, nunca tinha visto um vinho brasileiro durar tanto tempo aberto e melhorando cada vez mais: abrimos às 5h da tarde e às 11h35 da noite ele ainda tinha muito assunto no copo. As uvas do Vallontano são colhidas à mão.
A vinícola Tormentas comandada pelo artista-vinhateiro Marco Danielle foi o motivo que impulsionou essa degustação. O pequeno livro sobre o Tormentas esclarece com grande eloqüência e honestidade as jóias de artesão que Danielle extrai do terroir na Encruzilhada do Sul, Rio Grande do Sul. As garrafas têm uma embalagem de veludo, e textos inteligentes na maneira de descrever o vinho. Degustamos dois vinhos. O primeiro foi o Tormentas Premium Grande Caldo Cabernet Sauvignon 2004, de apenas 141 garrafas (wow!), e que foi elogiado pelo crítico Steven Spurrier - de uma das melhores revistas de vinhos, a Decanter inglesa (os ingleses sabem das coisas e sempre antes da maioria). Mas meu favorito foi o Minimus Anima 2005 (1.400 garrafas), um blend das uvas Cabernet Sauvignon e Alicante Bouschet, o tinto brasileiro de maior personalidade que já degustei. No nariz, rara elegância, com uma nota salgada e apimentada que lembra os vinhos do Rhône e Languedoc na França, apesar da Alicante ser originária de Portugal. Tem mais expressão do que muitos vinhos do Novo Mundo entupidos de madeira e cheios de “truques milagrosos” para melhoria da fruta. Vinho delicioso agora mas também com potencial de guarda.
Na mesma região do Tormentas, o município de Encruzilhada do Sul, a vinícola Angheben, do enólogo Idalencio Angheben, trabalha com castas pouco usuais no Novo Mundo, a Teroldego do norte da Itália, Barbera e Touriga Nacional. O Barbera 2004 tem aromas maduros, uma simbiose curiosa de chocolate e tomate, muito bom. O Teroldego 2004 tem no nariz especiarias exóticas, cominho, acompanharia muito bem a culinária árabe - de que sou fanático desde criança. O meu tinto favorito foi o Touriga Nacional 2004, casta difundida em Portugal, aromas de caça, crina de cavalo, mostarda, e cheio na boca, um vinho surpreendente. A brut, feita pelo método clássico champenoise, foi ao lado do Touriga a grande surpresa dessa casa para mim: ótimo perlage, aromas de amêndoas com aquela torradinha dos grandes Champagne - esse é um dos melhores espumantes brasileiros. O design das garrafas do Angheben é ótimo. Eu compraria porque tem pinta de coisa boa e realmente é.
A Villa Francioni, de propriedade de Dilor de Freitas, em São Joaquim, Santa Catarina, é das vinícolas mais modernas no país. Eu já havia provado um ótimo Chardonnay; desta vez, foi um sauvignon blanc, um rose e um típico blend Bordalês adicionado pela malbec que era usada em Bordeaux priscas eras. O sauvignon blanc 2006 tem um maracujá doce no nariz, gostoso, ideal para queijos de cabra. Mas as minhas preferências foram o Villa Francioni tinto (Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc e Malbec) - um vinho muito equilibrado para competir no mercado internacional como grande vinho brasileiro, remetendo aos grandes Bordeaux franceses - e também o Villa Francioni Rosé, profundo na linha dos rose da Provence, muito rico no nariz e boca, fora a garrafa linda.
Fonte: IBRAVIN
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