São raros os instrumentos pensados pelo homem que prometam uma única finalidade ou aplicação. O saca-rolhas é um destes utensílios. Mas será o saca-rolhas um objeto em vias de extinção? É que o mundo dos vinhos tem assistido a uma dura contenda entre vedantes artificiais e cortiça... A cortiça é um produto natural absolutamente extraordinário – a estrutura celular composta de alvéolos de ar, a elevada capacidade de compressão e a sua sublime elasticidade tornam-na no vedante natural por excelência. Mas a cortiça não vive num mundo perfeito e idílico. O grande defeito da rolha é que pode arruinar o conteúdo de uma garrafa de vinho. O culpado tem um designativo de difícil pronúncia, dando pelo nome de 2,4,6 trichloroanisole ou, de forma mais expedita, TCA. Nos casos extremos de contaminação, o aroma a mofo é de tal forma intenso e impetuoso que a identificação é imediata.
Acresce que as pequenas contaminações podem ser as mais danosas, até porque o TCA é muito potente e intenso, sendo detectável em quantidades ínfimas – o equivalente a uma colher de chá em 2000 piscinas olímpicas! Para que se perceba melhor, uma simples grama de TCA na sua forma mais pura seria suficiente para destruir a totalidade da produção de vinho anual de Portugal! Existem alternativas? Sim, existem vedantes artificiais, mas até à data não foram apresentados materiais sintéticos com as propriedades de elasticidade e compressão da cortiça. Sobra, no essencial, o “screwcap” – ou tampas de rosca –, um vedante eficaz, prático e funcional que dispensa por completo o uso de saca-rolhas.
No entanto, está ainda por provar a sua capacidade para os vinhos de guarda. É que o “screwcap” não tem historia suficiente que comprove a sua validade nestes casos, e além do mais defronta-se com a mística associada à extração de rolha e com a ideia de que se destina a vinhos de gama baixa. Atentos às suas próprias limitações, os principais fabricantes de “screwcaps” não esmorecem.
A Contaminação que nenhum vedante pode evitar
Agora que os dados pareciam lançados a favor do “screwcap”, eis que surgem novos dados que podem, ou não, inverter o otimismo e a esperança na mudança. O culpado volta a servir-se de um nome complexo (2,4,6 tribromoanisole), também alcunhado de TBA. Molecularmente, o TBA é muito semelhante ao TCA, mostrando-se igualmente intenso e demolidor para a saúde do vinho. O grande motivo de preocupação é que o TBA pode estar presente no ar da própria adega, via pesticidas, lixívias de limpeza, sistemas anti-incêndio, barricas velhas, ou por simples poluição atmosférica. Barricas, plásticos e rolhas são altamente susceptíveis de contaminação por intermédio do TBA, por via atmosférica e sem contacto directo. Esta descoberta tem uma implicação imediata e inteligível – todos os tipos de vedantes são susceptíveis de contaminação. O saca-rolhas estará mesmo em vias de extinção?
Minha opinião é que não! Pelo menos não enquanto nossa geração esteja viva. A extração da rolha faz parte do delicioso e lúdico ritual do vinho.
Parte do artigo acima foi extraído da revista portuguesa Blue Wine.
In Vino Veritas!
Gustavo Kauffman
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